terça-feira, 27 de maio de 2014

O Sujeito Atual - Um Caramujo



O que Lyotard chamaria de sujeito pós-moderno, Bauman denominaria de sujeito líquido, e embora ambos definam o mesmo e igual indivíduo, o primeiro o condiciona pelo momento histórico, o segundo, entanto, tem a esperteza de denunciar uma de suas caracteristicas: sua liquidez, sendo portanto, mais comunicativo, mais direto. Em todo caso, a despeito de sua atualidade histórica e do aspecto frágil e cambiante do que quer que seja que este sujeito chame de "eu mesmo", a experiência subjetiva, muito diferente do que poderíamos imaginar caso baseássemos os trabalhos num ou noutro dos teóricos supracitados, dá conta de um indivíduo pronto e imutável.

Assim, o sujeito atual, produto constantemente atualizado pela corrente da liquidez pós-moderna, segundo ele mesmo, sua experiência, sua constatação pessoal, apesar das constantes transformações por ele mesmo percebidas, é incrivelmente essencialista, para não dizer anacrônico. A ideia que o sujeito atual tem de si mesmo comunga com projetos muito antigos de essencialidade, de quando a essência precedia a experiência e Sartre ainda não era nem um projeto de gente, muito menos de filosófo. Contudo, se o sujeito atual é essencialista, o fato não se deve a qualquer esforço dele mesmo, ele é essencialista sem querer querendo, não se comunica com qualquer escola filosófica ou teoria, apenas é. E aí, em "ser natural",  em ser conhecedor dessa existência subjetivamente naturalizada, que o sujeito de nossos tempos encontra o maior atestado de sua contemporaneidade.

Abismado com o derretimento de todos os sólidos (para usar uma linguagem mais próxima do nosso amigo Bauman), com a exposição da fugacidade das condições de um mundo altamente metamorfoseante, continuamente outro, continuamente inaugurando novidades apenas para superá-las, soterrando-as com outras, ainda mais novas e com o mesmo destino: a obsolescência precoce e o esquecimento, atemorizado pela terrível percepção de que não há lugar sobre a terra sobre o qual pousar e firmar o pé, já que tudo com a mesma velocidade que surge, desaparece, além de constantemente interpelado por alteridades distintas aproximadas pela gloabalização, o sujeito atual recua até onde pode e vai se encontrar consigo mesmo, em si mesmo o único lugar seguro.

Já aí, na garantia de segurança, na busca por essa garantia, encontramos uma boa explicação para o sucesso da ideia do sujeito natural, essencial, pronto, fixo, imutável, ele é o seu próprio porto seguro, precisa sê-lo. Ameaçado pelo estonteante festival das transformações do mundo externo, o sujeito atual recolhe-se como o caramujo para dentro de sua concha, da mesma forma, como para o caramujo, não acontece de tal expediente enrijecer o que tem por dentro, tanto um como o outro se protegem ocultando dos riscos possíveis aquilo que têm em si de mole, movediço. Mas há algo mais e esse algo mais está na contínua defesa da concha, em boa parte, divulgada pela grande mídia, que não só defende a concha, promove-a, vende-a. 

Aos que estão mais familiarizados com meus poemas (em especial com o recente "Ser ou Não Ser? - Ainda a Questão"), advirto que não responsabilizo o que acabei de chamar de grande mídia pelo atual estado do mundo, essa não é uma questão do tipo "o ovo ou a galinha?", considerando que podemos encontrar razões para a publicidade de hoje ser como é após uma leitura rápida (como a que fiz) dos principais pensadores da pós-modernidade. Se a responsabilizo de algo é, e tão-somente, de fazer o seu papel, arrebanhando os incautos sob a promessa de identidade que não pode cumprir, estimulando-os a um tipo alienante (para falar como os meus doidos amigos marxistas) de auto-afirmação, pautada antes na naturalização do ser que num projeto de autoconhecimento e determinação, antes na distorção do tornar-se nietzscheano, transformado num "compra-te a ti mesmo em qualquer shopping", que na realização de qualquer projeto pessoal de identidade autonôma e autêntica.

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