sábado, 14 de junho de 2014

Hino à Vida e aos Seus Humores




Muitos dos ideais por que lutei
tão apaixonadamente, tão obstinadamente,
ideais que a tanto resistiram,
não puderam resistir à Vida.

A maturidade angariada com
o passar dos anos e de tanta coisa,
foi lhes achando inconvenientes,
foi lhes tirando o que achava impróprio,
os excessos, as distorções, as incongruências.

Tirando, tirando, tirando,
até que deles só restaram fósseis,
a lembrança, como prova de sua existência,
e nada mais.
Nem arrependimentos,
nem saudades, nem culpas.

Muitas das verdades que eu defendia
com todo o fervor da credulidade juvenil
foram se mostrando falsas
com os testes aos quais lhes expus,
com as situações por quais passei
e que por mim passaram.

Não foi pequeno o meu espanto
diante de cada falsidade constatada,
nem pouca a dor dessas constatações,
nem pouco intenso o desejo de estar errado.

Muitas das minhas ingenuidades feneceram,
muitas das minhas crenças e esperanças,
hoje, estão extintas,
muito do que amei agora é nada,
muito do que odiei agora é nada,
muito lugar onde estive não existe mais.

Muito de mim sucumbiu da mesma forma,
perdeu-se nas lutas que lutei,
dentre os escombros de depois da guerra,
nas tantas aventuras e desventuras que vivi.
Muito do que fui, deixei de ser,
sumiu, desgastou-se.

Mas de tudo o que me foi perda,
ficou-me o coração, não intacto.
Assim como eu,
também ele, não se manteve o mesmo,
dentre as tempestades e os vendavais
também ele padeceu sob a sucessão das horas
e sob os eventos que as preencheram,
também ele sofreu por não se esconder
atrás de couraças e de omissões.

Diante de tudo isso, diante do que desapareceu,
e da consciência do seu desaparecimento,
de todas as mudanças e de seus efeitos,
de todas as coisas que me foram efêmeras,
e da consciência da efemeridade,

Diante de tudo, que não se sustentou,
senão por um prazo definido,
Meu coração, embora tão maltratado,
manteve como qualidade
a mesma imprudência pueril
com que pulsou nos meus primeiros anos,

E depois de tanta coisa havida e ocorrida,
ainda posso rir meu riso em qualquer canto
como sempre pude,
sem que haja receios ou falte porquês,
e começar a dançar alegremente numa praça
não sem que me achem doido,
sem, no entanto, me preocupar com o achado.

Eu, eu é que sou doido,
por pretender mais que
a papa insossa do cotidiano?
Eu? Por não querer ser apenas
a chama cambiante de uma vela
que vai definhando, pouco a pouco,
trêmula e tímida?

Serei mesmo eu, o doido?
Pois então, prefiro a minha loucura
à essa temerosa lucidez de gado
com que a multidão rumina os dias.

Estico o olhar ao longe, para depois do horizonte,
lá, onde se escondem os dias vindouros,
e vejo tudo o que ainda há por vir,

Não sei se me assusta
ou se me empolga tudo o que ainda há por vir,
tenho só a certeza de que quero,
quero o mais profundamente,
viver a vida que há pela frente
com o mesmo ardor
com que ousei viver
a vida toda que ficou pra trás.



2011

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