quinta-feira, 24 de julho de 2014

Contradedutivo





1.
A consciência de que em tudo
somos meros produtos do meio
sem dúvida que nos torna menores
do que nos julga a nossa grande,
embora, frívola vaidade,

É contra isso que
nos advertem as paranoias
do nosso frágil narcisismo.

Transposto o portão do
essencialismo ao existencialismo,
adentramos o terreno das coisas
entendidas e sabidas,
cemitério dos mistérios.

Nos colocamos lá, e então,
nos sentimos menos especiais,
porque passamos a ver
que nossas maiores virtudes
não são tão nossas assim.

Mas tem o lado bom, o chute na cara
da vanglória inútil de sermos
o que somos, de termos nascido
assim ou assado, se dói em nós,
nos permite ser mais.

Ao entendermos que não somos
filhos de entidades obscuras
de um mundo imaterial ou
como os animais da natureza,
prontos de nascença,

Ao entendermos que somos
o resultado das relações
que estabelecemos com o mundo,
podemos vencer a condição
de criaturas, nos fazendo criadores,


Podemos deixar de ser apenas
efeito e também sermos
causa de quem somos.

Dá trabalho, mas vale a pena.


2.
Também nossos temores ancestrais
e o bem de nossas fantasias pueris
querem que para sempre permaneçamos
pensando no mundo como algo obscuro
onde agem forças misteriosas e milagres
são possíveis,

É difícil largar a possibilidade
do milagre; abdicar dela,
um desafio.

Realmente, acreditar num mundo
lógico, um mundo todo material,
onde seus elementos seguem leis
como preconiza o positivismo,
acaba com muitos sonhos
e com o amor pelo indefinido
da existência,

Eu sei disso, eu levei Comte
a sério.


Depois, que atravessamos
a linha para o lado de cá,
e nos tornamos materialistas,
não acreditamos mais
nem em almas nem em ninfas,
nem em anjos ou demônios,
é tudo causa e efeito.

A morte
chega mais perto de nós
e se torna mais definitiva,
irremediável.

E aí, você me pergunta:
o que é que se ganha com isso?
Já que se perde tanto, né?

Ganhamos o mundo.

Um comentário:

  1. Essa foi além da reflexão, deixando outas mil perguntas,isso faz parte! Parabéns pelos versos!!

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