terça-feira, 7 de outubro de 2014

Uso Indevido de Imagem




Maria não sabia mais o que fazer com os pestes adolescentes que tinha em casa. Bater, ela não batia. Tinha muita vontade, chegava no quase, mas não batia. Tinha essa lei aí que estava sendo votada, não tinha? Não tendo certeza, ela não arriscava. Que mundo é esse, ela pensava, que os pais não podem mais nem educar os próprios filhos? Já tinha ouvido que o caçula da vizinha, um menininho de 5 anos, gritou pra mãe eu fô na puliça, pate neu pa tu fê, pate. Daqui a pouco, será assim mesmo, os filhos é que mandarão nos pais.

Sem poder contar com sandálias, cintos e outros recursos educativos, usava de castigos e ameaças. Mas nem os castigos nem as ameaças estavam funcionando mais, por mais que os intensificasse, não adiantava. Ela tirava a internet, a tv, os celulares, o dinheiro do lanche, o jantar, e nada. Ela partia de vou esquentar teu couro, passava por eu quebro teus ossos, finalmente chegando em algo como arranco a tua cabeça fora e vou chutando daqui até a esquina e nada.

Ultimamente, Maria estava tentando a boa e velha chantagem emocional, conselho de uma amiga, uma profissional. Amanda dizia vocês tem que parar com isso, vocês querem me ver louca? Querem? Eu vou acabar morrendo assim, não aguento mais… e pronto, os 3 filhos se aquietavam - na verdade, se deprimiam.  Mas o mesmo não estava acontecendo com Maria, ela fazia um drama, falava que não aguentava mais, ensaiava uma lágrima, um soluço, os cães paravam só na hora, 15 minutos depois, já estavam aprontando, os desalmados.

Os filhos de Maria eram dois, mas valiam por mil, Cosme e Damião. Preciso dizer que eram gêmeos? 12 anos e ninguém sabia direito como é que ainda não tinham sido diagnosticados com hiperatividade, pois aquela inquietação toda não podia ser normal. Não era normal, pensava Maria, mas não os levava ao psicólogo, porque psicólogo é coisa de doido e os filhos, atentados eram, doidos não.

Eles corriam pela casa, gritavam sempre, jogavam bola na sala. Teve uma vez que eles desmontaram um ventilador, uma tv, o videogame, noutra quebraram a porta, uma porta, dá pra imaginar? Maria chegou do trabalho e quando viu, a porta estava escorada na parede e os dois disseram que foi sem querer. Agora, como foi que conseguiram fazer aquilo, até hoje Maria não sabe.

Agora, tinham inventado uma brincadeira - eu vi no UFC. A brincadeira, de uma mecânica muito simples, consistia no seguinte: aquele que pegava o outro distraído podia aplicar qualquer golpe visto numa luta do UFC. Era algo como o fusca azul. No começo, os dois se continham e não faziam mais que um mata leão aqui, outro ali. Então, um deles viu um chute que achou muito bonito e é claro que experimentou a efetividade do golpe no irmão que, por sua vez, testou uma cotovelada giratória nas ventas do chutador.

Isso já vinha acontecendo há algumas semanas. E Maria não sabia mais o que fazer, era briga todo dia, às vezes, mais que uma por dia, ela gritava, castigava, ameaçava, fingia que chorava, dizia que ia deserdar os dois e nada. Então, ela teve a grande ideia. Pegou o celular, filmou os dois brigando na sala e então, disse, mostrando o vídeo, se vocês não se aquietarem, eu posto isso no Youtube e mando pra todo mundo da escola de vocês. Os dois se aquietaram.

Se o vídeo se resumisse a mostrar os dois brigando, certamente, eles teriam respondido, posta. E aposto que até sentiriam orgulho pelo material gravado e sua postagem no Youtube. Mas tinha um detalhe: sendo a casa muito quente, os dois sempre andavam de cueca. O momento da briga não foi uma exceção. O vídeo mostrava os dois magrelos de membros transparentes como osgas se esmurrando, chutando e agarrando só de cueca. Era ridículo.

A vida de Maria mudou. Com aquele vídeo no celular, ela tinha de volta o poder perdido. E não precisava mais gritar, se descabelar, fingir choros e soluços, bastava dizer, olha que eu posto! e os meninos ou paravam de fazer o que não deviam estar fazendo ou começavam a fazer o que deviam estar fazendo. Obrigada, Deus, agradecia, Maria.

Mas aí, as brigas começaram de novo e agora mais intensas, como se os 3 dias de sossego só tivessem servido para o descanso dos lutadores. Maria gritava que ia postar o vídeo, os dois riam e continuam. Ela se aproximava e separava os dois. Minutos depois, eles estavam de novo atracados, um tentando acertar a cara do outro. Maria gritava eu posto o vídeo, hein? E então, um dos meninos disse, cruzando os braços e levantando o queixo:

- Posta, pode postar, que a gente processa a senhora. Já ouviu falar de uso indevido de imagem?






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