terça-feira, 6 de outubro de 2015

Implícito


Eu já falei muito mais de uma vez que não gostava de poesia. Tem quem não acredite e ache que é só charminho, mas é verdade. Eu levava tudo muito ao pé da letra, era um leitor muito literal, daí que não conseguia entender o motivo do cara dizer uma coisa querendo dizer outra. Se ele queria dizer a outra por que dizia a uma?

Pensava que era só pra enfeitar, então, esse era mais um motivo pra não gostar de Poesia. Contudo, aconteceu de eu começar a ler um livro de sonetos do Camões. Essa também é outra história que já contei: li o livro porque precisava aprender a compor um soneto pra mulher da minha vida.

Depois de Camões, li Bocage, Bilac, Cruz e Souza e a poesia começou a fazer sentido. Bocage, por exemplo, em seus escritos mais românticos que árcades, conseguia ser muito delicado, a forma como ele falava de amor, de tristeza e temas por aí, era repleta de sutilezas. Não apenas afrescalhava o que dizia, enriquecia, enchia de nuances e detalhes.

Pensando bem, até a forma como ele escrevia seus versos obscenos (e ele não escreveu poucos) demonstrava uma grande habilidade de “dizer uma coisa querendo dizer outra”. Começando a escrever sonetos, eu admirava muito aqueles que conseguiam ajustar o que tinham a dizer dentro dos moldes fixos da forma e ainda mais aqueles que conseguiam fazer isso de um modo tal que parecia até fácil, como o Bocage.

Sendo o tipo de cara que se preocupa mais com o que vai dizer, sempre penso se aquilo que escrevo vale a pena ser lido e logo no começo, procurava atender às exigências da métrica o que, para mim, era suficiente. Deu um soneto? Rimou? Todos os versos são decassílabos? Era isso. Hoje, em dia, penso um pouco diferente.

Volto a dizer que me preocupo mais com o conteúdo, em todo caso, não considero mais a linguagem utilizada como uma mera embalagem descartável pra mensagem, entendo que o modo de dizer algo já diz algo. Não vou tão longe ao ponto de afirmar, como o Manoel de Barros, que “só os absurdos enriquecem a poesia”, mas hoje em dia, entendo que a forma como se diz algo já é parte do dito.

Vou dar um exemplo: “Bater um rango” é diferente de “fazer uma refeição”. Ambas são formas de se referir à mesma atividade: comer, mas como que a endereça em mundos diferentes. “Bater um rango” parece mais jovem e descontraído, não parece? Enquanto “fazer uma refeição” é coisa de gente mais formal.

Postei a constatação dessa diferença no Facebook e um amigo comentou que “fazer uma refeição soa muito burocrático”, já uma amiga comentou o seguinte: “Uma refeição vc posta no instagram... já um "bater rango".... fica só pros íntimos. Kkkkkk”. É isso: ambas as expressões falam da mesma coisa, mas causam impressões diferentes, entendimentos diferentes.

Drummond falou uma vez “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra”. E hoje em dia, posso dizer que entendo do que ele está falando. Mas acrescento que escrever poemas nem sempre é lutar com as palavras, como ele também já disse. Às vezes, escrever poemas é brincar com as palavras. Com as palavras e os seus sentidos.

Atualmente, ainda concordo com a ideia de que escrever poesia é dizer uma coisa querendo dizer outra, mas (e aí está a mudança), hoje eu sei que na poesia se diz uma coisa pela outra, porque assim se diz mais.




                                            
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2 comentários:

  1. Adorei a forma como descrevestes a arte da poesia, muitas vezes dizemos uma coisa querendo dizer outra e quem nos lê entende algo que nem pensamos dizer. A poesia é mágica por isso

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  2. Adorei a forma como descrevestes a arte da poesia, muitas vezes dizemos uma coisa querendo dizer outra e quem nos lê entende algo que nem pensamos dizer. A poesia é mágica por isso

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