sábado, 16 de abril de 2016

Galos, Águias e Albatrozes





01.
Tava vendo esses meninos,
tudo novo, fazendo poesia,
tremendo de nervoso e lá,
declamando.

Tava vendo eles e suas
grandiloquências tímidas,
gagas, tremelicantes, mas
temerárias.

Primeiro ri, imaginando o que
o meu amigo Buk diria se visse
esses bebinhos com pinta de grunge
falando da crueldade do mundo
e da decadência de que só ouviram
falar ou leram.

Fala aí, Buk, eles querem
ser como vocês ou querem ser
um de vocês?

Aí, ri de novo, especulando
se o Buk ia mandar os meninos
lerem ou beberem mais.

Talvez os dois.

Depois, lembrei de quando era
também um menino na poesia
e me deu um pouco de saudade
desse tempo de ingenuidade
e empolgação.

Mas eu era do tipo brigão
e se o Buk dissesse alguma
das suas, a gente teria que
testar se o boxe dele tava
em dia.

Eu era do tipo que não ouvia
ninguém, eles devem ser assim
também.

Jovens, né?

A maior parte do que pensam
saber vem de ouvir falar, mas
nada os faz ouvir.

Hehehehehe


02.
Quando era mais novo,
eu era doido, o verso era
um desajeito só, mas
me sentia o próximo
Pessoa,

Ia escrevendo o segundo
soneto ao mesmo tempo que
o que seria o meu o discurso
do Nobel de Literatura:

“Agradeço a todos que sempre
acreditaram em mim… blá blá blá…
amo todos vocês, beijo mãe!”

Eu era o galo, Cabral, que ia
tecer uma manhã inteira sozinho,
aos cantos, aos gritos.

Um galo que não sabia cantar,
eu era galo de rinha, Cabral,
galo de rinha!

Era.

Hoje, penso que resistir é
mais que bater boca e ficar
brigando por aí, resistir
é continuar e dar um jeito
de ir continuando.

Por isso, Cabral, fico aqui,
fazendo o inútil de boa, de zoa,
só porque é mais difícil fazer
e porque mais vale o inútil
do fazer do que não fazer.

Né?


03.
O pessoal tava falando no sarau
no Palácio do Governo, tinham
um microfone e uma caixa de
som e lembrei do primeiro
“Isso é poesia?”...

Deixa eu falar de novo: o sarau,
organizado por professores e
alunos do Curso de Letras da
Universidade Federal de Rondônia,
- UNIR, aconteceu no

PALÁCIO DO GOVERNO.

Quando é assim, todo mundo
quer ir, velha guarda, nova guarda,
todo mundo -

Té eu.

Mas pra ir na praça, Castro Alves,
pra praça que é do Povo, do Povo,
é muito difícil encontrar no meio
dos livres amantes da poesia
quem tenha essa liberdade
toda pra ir.

Sem cara ou coragem,
Castro Alves, tem muita águia
que só se cria dentro das salas
e salões institucionais,

Acredita?

Imagina aí, o alcance
dos seus voos...

Imagina aí, Baudelaire,
o desengonço desses
albatrozes crescidos
entre paredes.


04.
Lembrei de quando levei
uma caixa de som pra Praça
das Três Caixas Dágua,

Lembrei do cara chegando
pra ler uns poemas e perguntando:
- Cadê o pessoal?

Hahahahaha

Só tinha uns adolescentes
bêbados na praça, a mulher
do carrinho de lanche e uma
viatura da polícia rondando.

Ahahahahahaha

Lembrei da clara sensação que tive
de que seria muito, muito fácil levar
uma caixa de som pra praça
- é óbvio que não foi…

Mas com certeza foi melhor
do que esperar os abestadões
me dar uma chance.


05.
Eu não sabia realmente nada
de poesia e como não sabia
que não sabia, pensava, portanto,
que sabia.

Também não sabia como
funcionava isso de poesia,
por aqui; acreditava em quem
dizia que fazia o que fazia pela
Cultura.

Só depois é que me dei conta
de que eles mentiam em nome
da Cultura do mesmo jeito que
já vi outros mentirem em nome
de Jesus, em nome da Democracia,
em nome do Povo e por aí vai.

Pensando nisso,
lembrei da causa,

A poesia era uma causa,
era como ajudar os pobres
ou mudar a situação do país,
a poesia ia salvar o mundo.

Ia.


06.
Achei bonito esse pessoal
começando, esse pessoal
ainda cru, mais vontade
que tudo mais.

Esse pessoal que aprendeu
contigo, Leminski, querem
mais é que tudo se foda,
mas que ainda não leram
a tua obra toda.

Hehehehehe

Tudo novo, 19, 20, estão
um pouco fora do padrão
é verdade, mas ainda têm
aquelas carinhas de paga
lanche.

Nessa idade, eu tinha
abandonado a escola
e tinha era raiva de poesia,
como todo mundo, mas lia

Lia de tudo,
só não lia poesia.

Pensava comigo:
porra de poesia...

E agora:
quem diria?
- me digo.


07.
Cada um tinha escrito um poema
pra sua namorada ou mulher,
comigo foi parecido:

Conheci a Vanessa e um dia
conclui que seria muito legal
passar o resto da vida com
ela.

(Tamo aí, até hoje.)

Só não sei se eles começaram
a escrever poesia por amor,
comigo, por mais brega que seja,
foi.

Como foi pra eles?
Não sei, queria saber…

Sei que se for perguntar
pra algum deles por que escreve,
vai sair algo que, trocando
em miúdos, vai significar

Porque o instante existe,
não sou alegre nem triste,
sou poeta.

Né, Cecília?

Ou ele vai fazer uma
cara de besta e
perguntar:

Precisa ter por quê?

Né, Leminski?


08.
Eles têm muitas ideias e ideais,
espero que do mesmo jeito
que sabem aderir e concordar,
saibam também criar porquês
e comos,

Porque vai ser
cada pedrona pelo caminho
que Drummond nem
desconfia,

Vai ser preciso tirar cada
pedra monstra de cima
de chavinhas tão pequenas,

Vai ser cada luta! E cada uma
mais vã que a outra...

E pra andar pra frente,
eles vão ter que lidar com
o fato que todos, cedo ou tarde,
são obrigados a admitir: o mundo
é como é, não é como devia ser.


09.
A maioria vai desistir, porque
vai encarar a poesia como um
negócio e vai querer resultados
- que não virão.

A gente sabe, né?, Quintana,
nem todos querem ser o grilo
com suas britadeiras de vidro
procurando no escuro o mais puro
diamante perdido.

A gente sabe, né?, Gullar
(o Gullar que é o outro) que traduzir
uma parte noutra parte nem sempre
é questão de Vida ou Morte.

A maioria vai desistir, como se fosse
uma batalha, uma empreitada e vai dizer,
mais tarde, que foi tudo adolescência,
uma hora era preciso crescer.

Já vi muito disso acontecer,
os caras começam com a poesia
pensando que é de um jeito
que não é e porque não dá certo,
eles dão no pé.


10.
Uns poucos vão em frente
e no meio desses poucos,
uns raros, vão se ligar
de que não se trata só
de se manter.

Um desses meninos
me disse que sua citação
preferida de Nietzsche é:

É preciso ter um caos
pra parir uma estrela.

É, Bilac, fiquei pensando
se esse menino, que quer
parir uma estrela, vai saber
ouvir o que elas dizem.

Ou se vai ter a paciência e
a precisão de um ourives,
pra sentar e ajeitar o verso
bem ajeitadim, tim tim por
tim tim.


11.
Fiquei pensando, meus amigos,
poetas que conheço de livros,
se esses meninos vão aprender
a falar com vocês, se vão ouvir
os seus conselhos, se vão entender
e questionar.

Espero que sim, especialmente
Camões, Bocage e outros antigos,
porque não dá pra ser moderno
sem conhecer os clássicos que
a gente tem que detestar.

Também espero que isso
ajude a cada um deles a inventar
um jeito de ser poeta e de fazer
poesia.

Espero que uma hora eles se deem
conta de que não existe isso de ser
poeta, não existe um jeito de ser poeta,

Beber, foder, brigar, ser doido,
ser triste ou se drogar pode até
ser muito divertido, mas a boa
poesia não vem daí,

Espero que eles descubram
de onde é que vem.

Espero também que um dia
eles encontrem uma Vanessa,
mais que uma musa, uma mulher,
e mais que um fogo que arda sem
se ver, um amor de fato.

Ser um poeta que não aprendeu
a amar é drama muito antigo.

Espero que eles vivam e tirem
a poesia da vida sem tirar a vida
da poesia.

Espero que eles se preocupem
mais com ter o que dizer do que
com o dizer propriamente dito,

Pra dizer sempre se dá um jeito,
mas arranjar algo pra ser dito
é foda...

Espero que eles aprendam
a voar no amplo azul do céu,
no grande oco do espaço fora,
e sejam águias e albatrozes.

Espero que entendam
o poder do canto e sejam
galos tecendo manhãs.


12.
Muitos desses poetas mirins
já estão fartos e entediados,
antes de saber o que é estar
farto e entediado,

Já dão partida proclamando
o ódio ao velho, que não conhecem,
e o advento do novo, que ainda não
são capazes de reconhecer,

Eles já começam cansados,
Bandeira, do lirismo comedido,
do lirismo funcionário público,

Eles ainda nem saíram
pra rua com a roupa de brim
muito bem engomada

E já tão falando da nódoa
no brim, do caminhão, da lama
e da inutilidade de toda a
existência humana.

Espero que eles consigam
romper as ideologias, os sonhos,
as fantasias, os rótulos, as perspectivas
prontas.

Espero que, ao colocar
o pé no chão, eles descrevam
o chão onde colocaram o pé
em vez do chão de que ouviram
falar que alguém foi visto pisando.

Espero que eles percebam
que nenhum grande poeta
nasceu grande ou poeta,
todos se tornaram,

Porque se perceberem
isso, vão perceber que têm,
pelo menos, uma chance.


13.
Esses meninos ainda são
mais empolgados que
qualquer outra coisa.

Mas vejo a sua empolgação
e penso que é melhor ser
um sonhador cheio de vontade
a ser muito lúcido, mas covarde.

O sonhador vai quebrar muito a cara,
é certeza que vai se lascar legal,
mas talvez aprenda alguma coisa
que valha a pena,

Já pro lúcido e covarde
nem pra esse talvez
há chance.

Esses meninos não sabem
como as coisas são e talvez,
por isso, se tiverem peito,
terão uma chance.

Eu penso nisso e fico
a fim de os encontrar
mais pra frente,

Pra uma amizade franca
ou uma inimizade sincera.

Um comentário:

  1. Achei bonito você se lembrando de quando ainda era menino!
    Nem faz tanto tempo assim, pelo menos não parece. Externamente não, pra você aí dentro não sei!
    Mas foi bonito!

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