Manuel estava com sorte, sentia que estava. Aquela manhã fazia parte de uma nova fase da sua vida. Tomou banho, vestiu a melhor roupa (que não era lá essa coisa toda), tomou o café da manhã, basicamente café e 4 bolachas de água e sal, subiu na bicicleta e lá se foi, às 6 e 30 da manhã, rumo ao novo emprego.
Era o terceiro dia, Manuel trabalhava das 7 às 12, o combinado era 400 reais por mês, 100 por semana, era uma bondade que o dono da mecânica tava fazendo pra ele, foi, pelo menos, o que o dono disse, não tinha mais vagas, mas ia quebrar o galho do rapaz e deixar que ele ficasse por ali ajudando, até aparecer algo. Era pra Manuel fazer uma coisinha aqui, outra ali, que na prática, queria dizer tudo e mais um pouco.
Quando ele chegava, a primeira tarefa era ir à padaria comprar o lanche pro resto da equipe, daí pra adiante, não parava mais, tirava pneus, carregava chaves e peças grandes, lixava, pintava. Ainda estava aprendendo, mas sempre que tinha algo pra fazer que ninguém mais queria fazer, chamavam o rapaz. Mas Manuel tentava não se importar, ia ganhar algum dinheiro, comprar umas roupas, ajudar em casa, estava bom. Era o jeito mesmo. Nem no lava jato tinham dado uma colocação pra ele, disse o dono, você é muito alto e o mandou embora.
1 e 30 da tarde, Manuel ainda tava trabalhando. O combinado era trabalhar até meio dia, mas sempre ficava pra terminar algo que não podia esperar pelo dia seguinte, vinha o dono da mecânica e perguntava: Quebra esse galho, aí, camarada? Manuel respondia: pode crer. E o terceiro dia ia ficando como os dois primeiros, em que ele tinha ficado até as 2 da tarde, ajudando, quebrando um galho, o que lhe dava uma sensação de que aquilo não ia dar certo.
1 e 50, veio o dono da mecânica e falou:
- Olha, camarada, o menino da tarde não tá vindo, é um vagabundo do caralho, tu não quer vir não, a gente trabalha até as 6, e eu te dou duzentão a mais.
- E é pra fazer o quê?
- O de sempre, camarada, uma coisinha aqui, outra ali.
- Pô, a gente sabe que não é assim, eu comecei segunda e quando chego aqui não paro mais, até o pedreiro que tá fazendo o muro aí, eu já ajudei.
- É assim, mesmo camarada, a gente tem que se ajudar…
- E o almoço? Não tem como eu ir em casa almoçar e voltar.
- Aí, não, né, camarada. Se eu for te dar o do almoço, quebro. Posso fazer assim, te adiantar algum pra tu ir comendo alguma coisa até tu receber.
- Mais aí, vou acabar pagando pra trabalhar. Sem dizer que o combinado era eu ficar até meio dia e estou ficando todo dia até as 2. Aí, a gente vai combinar até as 6 e quando for ver, vou estar morando aqui. - Disse Manuel e esta última frase com um meio riso no rosto, numa tímida postura desafiadora.
- E essas gracinhas, camarada, acha que vai longe com elas?
- Não sei, não, cara, vou pensar…
- Vai pensar? Acho que tu é vagabundo também, hein? Essa juventude de hoje não quer mesmo saber de trabalho, quer só folga.
- Eu tenho que pensar, porque faço supletivo à noite e a escola fica perto de casa, se eu for morrer de trabalhar aqui e tiver que parar de estudar de novo, como é que vou ficar daqui a um tempo?
- Tem que ver, camarada, num tá precisando do dinheiro? Vê aí…
No outro dia, Manuel acordou na mesma hora, tomou banho, tomou o café, dessa vez sem nada mais, subiu na bicicleta e atravessou a cidade mais uma vez pra ir ao trabalho, não ia aceitar ficar até as 6, não valia a pena. Chegou, perguntou pelo dinheiro pro pão do pessoal, perguntou pelo dono, mas ele não estava lá. Então, um dos outros trabalhadores se aproximou, estendeu um bolo de cédulas de 2 reais e disse:
- Aqui, Manel, teu dinheiro, o chefe falou que não precisa mais vir não. Ele arranjou outro cara.
- Quê? - Perguntou Manuel com vontade de mandá-lo enrolar um pouco mais o dinheiro e meter lá naquele lugar.
Mas não podia fazer isso. Pegou o dinheiro, meteu no bolso e voltou pra casa, imaginando o que faria agora, pensando na injustiça do mundo, naquele gordo salafrário dono de oficina desgraçado. Só tinha uma certeza, seria foda. Devia ter aceitado, porra, devia ter aceitado.
Não devia, não, Manuel. Melhor assim. Lute, estude, creia e vá a luta, porque há tristeza, mas também outras oportunidades para quem corre atrás e, principalmente, não desiste. / Adorei o conto, José Danilo, muito bom de ler, emociona e é tão reflexivo quanto verdadeiramente atemporal. Abraço.
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