sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Quebra Esse Galho, aí, Camarada?





Manuel estava com sorte, sentia que estava. Aquela manhã fazia parte de uma nova fase da sua vida. Tomou banho, vestiu a melhor roupa (que não era lá essa coisa toda), tomou o café da manhã, basicamente café e 4 bolachas de água e sal, subiu na bicicleta e lá se foi, às 6 e 30 da manhã, rumo ao novo emprego.

Era o terceiro dia, Manuel trabalhava das 7 às 12, o combinado era 400 reais por mês, 100 por semana, era uma bondade que o dono da mecânica tava fazendo pra ele, foi, pelo menos, o que o dono disse, não tinha mais vagas, mas ia quebrar o galho do rapaz e deixar que ele ficasse por ali ajudando, até aparecer algo. Era pra Manuel fazer uma coisinha aqui, outra ali, que na prática, queria dizer tudo e mais um pouco.

Quando ele chegava, a primeira tarefa era ir à padaria comprar o lanche pro resto da equipe, daí pra adiante, não parava mais, tirava pneus, carregava chaves e peças grandes, lixava, pintava. Ainda estava aprendendo, mas sempre que tinha algo pra fazer que ninguém mais queria fazer, chamavam o rapaz. Mas Manuel tentava não se importar, ia ganhar algum dinheiro, comprar umas roupas, ajudar em casa, estava bom. Era o jeito mesmo. Nem no lava jato tinham dado uma colocação pra ele, disse o dono, você é muito alto e o mandou embora.

1 e 30 da tarde, Manuel ainda tava trabalhando. O combinado era trabalhar até meio dia, mas sempre ficava pra terminar algo que não podia esperar pelo dia seguinte, vinha o dono da mecânica e perguntava: Quebra esse galho, aí, camarada? Manuel respondia: pode crer. E o terceiro dia ia ficando como os dois primeiros, em que ele tinha ficado até as 2 da tarde, ajudando, quebrando um galho, o que lhe dava uma sensação de que aquilo não ia dar certo.

1 e 50, veio o dono da mecânica e falou:

- Olha, camarada, o menino da tarde não tá vindo, é um vagabundo do caralho, tu não quer vir não, a gente trabalha até as 6, e eu te dou duzentão a mais.

- E é pra fazer o quê?

- O de sempre, camarada, uma coisinha aqui, outra ali.

- Pô, a gente sabe que não é assim, eu comecei segunda e quando chego aqui não paro mais, até o pedreiro que tá fazendo o muro aí, eu já ajudei.

- É assim, mesmo camarada, a gente tem que se ajudar…

- E o almoço? Não tem como eu ir em casa almoçar e voltar.

- Aí, não, né, camarada. Se eu for te dar o do almoço, quebro. Posso fazer assim, te adiantar algum pra tu ir comendo alguma coisa até tu receber.

- Mais aí, vou acabar pagando pra trabalhar. Sem dizer que o combinado era eu ficar até meio dia e estou ficando todo dia até as 2. Aí, a gente vai combinar até as 6 e quando for ver, vou estar morando aqui. - Disse Manuel e esta última frase com um meio riso no rosto, numa tímida postura desafiadora.

- E essas gracinhas, camarada, acha que vai longe com elas?

- Não sei, não, cara, vou pensar…

- Vai pensar? Acho que tu é vagabundo também, hein? Essa juventude de hoje não quer mesmo saber de trabalho, quer só folga.

- Eu tenho que pensar, porque faço supletivo à noite e a escola fica perto de casa, se eu for morrer de trabalhar aqui e tiver que parar de estudar de novo, como é que vou ficar daqui a um tempo?

- Tem que ver, camarada, num tá precisando do dinheiro? Vê aí…

No outro dia, Manuel acordou na mesma hora, tomou banho, tomou o café, dessa vez sem nada mais, subiu na bicicleta e atravessou a cidade mais uma vez pra ir ao trabalho, não ia aceitar ficar até as 6, não valia a pena. Chegou, perguntou pelo dinheiro pro pão do pessoal, perguntou pelo dono, mas ele não estava lá. Então, um dos outros trabalhadores se aproximou, estendeu um bolo de cédulas de 2 reais e disse:

- Aqui, Manel, teu dinheiro, o chefe falou que não precisa mais vir não. Ele arranjou outro cara.

- Quê? - Perguntou Manuel com vontade de mandá-lo enrolar um pouco mais o dinheiro e meter lá naquele lugar.

Mas não podia fazer isso. Pegou o dinheiro, meteu no bolso e voltou pra casa, imaginando o que faria agora, pensando na injustiça do mundo, naquele gordo salafrário dono de oficina desgraçado. Só tinha uma certeza, seria foda. Devia ter aceitado, porra, devia ter aceitado.




Um comentário:

  1. Não devia, não, Manuel. Melhor assim. Lute, estude, creia e vá a luta, porque há tristeza, mas também outras oportunidades para quem corre atrás e, principalmente, não desiste. / Adorei o conto, José Danilo, muito bom de ler, emociona e é tão reflexivo quanto verdadeiramente atemporal. Abraço.

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