sábado, 6 de agosto de 2016

Respire Fundo e Prenda a Respiração


Foto: Marcelo Gladson



01.
Porto Velho tá o cu
do Smoke, um buraco
esfumaçado!

Agosto, por aqui,
basicamente, quer dizer
duas coisas: fumaça
e problemas respiratórios

Todo ano
é isso.

A gente falava sobre,
no trabalho, eu e a
Suzi.

Tá todo mundo rouco,
com dor de cabeça
e tosse e catarro,

Tem a poeira, tem o calor,
tem a chuva que não tem,
que não vem, que tá sem.

A gente não pode esquecer
dos vizinhos que juntam uma
montanha de folhas, tacam fogo,
intoxicando o bairro inteiro

E depois tão sem saber
porque os filhos precisam
de nebulização.

Só quem tá feliz são os donos
de farmácia com o aumento
de 10 000% nas vendas
de analgésicos, xaropes e
outros lenitivos.


02.
Olhando da janela do quinto
andar, dá pra ver a fumaça
neblinando o horizonte,
eu falo que fico puto.

A Suzi me pergunta
se tenho vontade de ir
embora.

Às vezes, tenho, mas
sou muito pessimista
pra imaginar essas coisas.

Quero viver em um lugar
sem essa fumaça toda,
mas penso que todo lugar
tem seus problemas,

Todo lugar tem essa gente
com mais dinheiro que
a gente, mandando em tudo,
tem governo e suas práticas.

Mudar de cidade,
seria só mudar de
problemas.

Adianta
nada.

Substituir
as dores de cabeça
da fumaça, por outras.


03.
Me dá preguiça só de pensar
em sair daqui, arrancar
as raízes já fincadas
e migrar e aí

Ter que ir conhecendo o lugar,
a gente dele, os modos dele,
os lugares dentro desse lugar,

Depois,
ter que ir me acostumando
com tudo, ter que me conformar
com novos absurdos, me ajeitar,

Mas não é só por preguiça
que fico, não.

Não quero sair daqui,
porque não quero ir pra longe
da possibilidade de encontrar
velhos amigos e inimigos

E também de me encontrar
por aí, num banco do passado,
ocupando a memória não oficial
da cidade.

Ando de moto, por aí,
por escolas e bairros e ruas,
e reconheço os endereços
da memória,


Aqui, foi isso, ali, aquilo,
e por aí vai.

A Suzi me olha e diz
que é engraçado, o lugar
muda e mesmo mudando
você sabe que “é ali”.


04.
Quando passo pela Aluízio Ferreira,
não vejo mais a praça do half,
mas sei que “é ali”,

Quando passo pelo Nova Porto Velho,
não vejo mais a casa pequena
de madeira, mas “é ali”.

Escola Castelo Branco,
Barão dos Solimões,
Supermercado Rocha e Costa,
Oficina do Rock,

Tudo é ali, é ali,
ou mais ali.

Acho que o lance é esse:
eu pertenço à cidade,
mas só porque a cidade
me pertence.

Não, não vou embora,
e não vou, porque não dá
pra levar tudo o que é meu,
daqui,

Só eu
e a memória
em mim.



                                                       
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