quarta-feira, 21 de maio de 2014

Esboço Para uma Teoria da Leitura




Uma parte de mim 
É só vertigem 
Outra parte Linguagem 

Traduzir (se) 
Uma parte na outra parte - 
Questão de vida ou morte - 
Será Arte? 

Ferreira Gullar



Para Gullar, expressar, fazer Arte, e por extensão, escrever, é traduzir o que é vertigem para o que é linguagem. Parece-me que temos muitas outras teorias a respeito do expressar, do escrever, por extensão, mas, e do ler? Talvez tenhamos também, não sei... Acontece que parei para pensar sobre o escrever, passei então para o ler e cheguei a uma conclusão. Acredito que ler é o movimento exatamente inverso ao escrever. Quero dizer com isso que: se escrever é traduzir a vertigem para a linguagem, ler é traduzir o que é linguagem para o que é vertigem. Considerando, claro, uma boa leitura. Na verdade, não qualquer leitura é assim. Com a ressalva de que nem toda leitura nos alcança senão a parte “tá de sacanagem comigo?”.
Partindo deste entendimento, será mesmo possível falar com um público que não tem a parte linguagem suficientemente desenvolvida? Sim. Pois o desenvolvimento da parte linguagem fica a cargo do poeta. E se falo de desenvolvimento, não falo, entretanto, em sofisticação gratuita, ou rebuscamento. Não digo, também, que sofisticação e rebuscamento não sejam importantes na Poesia, são sim, mas de um modo especial. Na Poesia é preciso sofisticar tanto, rebuscar tanto, aprumar, premeditar ao ponto extremo de parecer simples e espontâneo. Como o ourives bilaquiano, em Profissão de Fé, preciso, minucioso, delicado, senhor do próprio ofício.
Cabe ao leitor, estar de olhos e ouvidos atentos para entender sobre o relevo da jóia que lhe é exposta e a desconfiança essencial de que o ouro nem sempre é legítimo. Uma boa poesia, um bom poema, alcança a todos, é capaz de lhes falar! Chega às cordas íntimas de cada um e lhes tange, bem ou mal, mas tange. Pode ser como uma pedra jogada sobre um lago, pode ser como um vento.
Realmente, estou poeta hoje!
Para haver a verdadeira relação entre poeta e público, aquela quando eles se comunicam, contudo, não se pode prescindir de intimidade. Estou falando de intimidade na acepção não donruanesca do termo. Falo daquela sensação de proximidade entre pessoas que se conhecem há tempos, entre irmãos, entre filhos e pais, que mesmo naquela época que não se bicam, reconhecem-se, sabem quem são uns aos outros, seu modo de ver e pensar o mundo, seu modo de senti-lo e de reagir a ele. Falar sobre temas, sobre valores, sobre ideias e ideais, compartilhar isso, é o que nos aproxima das pessoas e nos torna capaz de entendê-las. E é desse entendimento que tanto precisa a Poesia.
Um dia recitei Augusto dos Anjos para uma amiga: Eu, filho do carbono e do amoníaco, monstro de escuridão de rutilância, sofro, desde a epigêneses da infância, a influência má dos signos do zodíaco... Ao que ela disse: Eca! E passou a discorrer sobre esses poetas sempre tristes, sempre de mal com o mundo. Claro. Faltava o contexto. Ela não sabia por que passou o paraibano magrelo para escrever do jeito que ele escreveu. Não podia, portanto, saber quão autêntico é o que ele expressa, muito diferente de um grande número de poetas que inventam dores e que só sabem escrever como aqueles que sofrem.
Não sei se estou sendo entendido. Vou dizer de outra forma: é preciso dar ao público dicas, motivos, intenções, anseios, pois é com essas outras informações que a comunicação vai acontecer, que a intimidade vai se estabelecer e a Poesia vai deixar de ser resultado de nada e será produto de alguém, expressão de alguém. Sempre falo um pouco sobre as minhas poesias antes de declamá-las por isso. Apesar das críticas que recebo, por não deixar o leitor decifrar por si mesmo do que estou falando, a maior parte da gente que me ouve não acha ruim. Até gosta quando exponho os motivos e os interesses de uma poesia.

Um comentário:

  1. Prezado José Danilo Rangel você foi muito, muitíssimo feliz em suas palavras nesta postagem. Eu simplesmente não tenho essa sintonia fina tão apurada de expressar o que ronda os corações alheios e o meu. Sou uma "criança" nesta estrada da Poesia, vertente que muito admiro e que agora passo a palmilhar. Desejo-lhe felicidades e voltarei a visitá-lo, sou seu seguidor e se quiser conhecer um pouco do que escrevo, será um prazer recebê-lo em meu oásis.
    http://www.nossoslivrosfree.com.br/

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