quarta-feira, 21 de maio de 2014

Fazer ou Não Fazer? - Eis a Questão.




Se você é daquele tipo especial de pessoa de quem o mundo ainda não conseguiu arrancar a boa vontade, certamente, terá dificuldade em imaginar motivos para não se fazer algo tão pequeno e simples como trocar o garrafão do bebedouro, em especial quando se está com sede. Se por outro lado, você é do tipo vacinado, que já sabe como é que é o mundo, já deve ter pensado na razão maior de casos como o em questão: preguiça. E complementará: só pode ser!

Trabalho numa Agência do Governo e, nela, há um tempo atrás, era uma grande dificuldade encontrar quem trocasse o garrafão de água. Devia ser obrigação da gente da limpeza, era consenso, contudo, a gente da limpeza consistia em três mulheres e o pensamento geral preconiza que mulheres não devem levantar peso. A função, portanto, dependia dos homens, dependia, portanto, de sua boa vontade. Ressalto que os bebedouros dos corredores – jurisdição de ninguém – eram os que ficavam mais tempo sem água.

Embora saibamos que para alguns o que vale é o pensamento “se outro pode fazer, por que farei?”, mesmo entre os funcionários mais solícitos uma grande resistência estava instaurada contra trocar os garrafões. Curioso que sou e adepto do Estudo das Coisas Triviais, decidi investigar o fenômeno. Acontece que no serviço público há uma ideia bastante difundida, a ideia de que cada um faz só o que é sua obrigação, de outro modo, não faz. E se fizer corre o risco de ver uma gentileza se transformar em dever, e tanto, ao ponto de as pessoas em torno exigirem de você sua plena observância. Em caso contrário, recriminando a “omissão”.

Era isso que acontecia: ao ir beber água, o funcionário bonzinho percebia o garrafão vazio então, em sua ingenuidade, pensava “por que não trocá-lo?", trocava-o, bebia a água e voltava para o seu setor, contente consigo mesmo. Ao vê-lo agir assim, dando um pouco de bondade ao mundo, a este ou aquele outro funcionário ocorria o seguinte pensamento: ninguém faz o que não é sua obrigação, se ele faz logo, é sua obrigação. E por todas as testemunhas da boa ação pensarem assim e o funcionário gentil continuar com sua gentileza, em pouco tempo, estabelecia-se que era dever deste sempre trocar o garrafão.

Aconteceu comigo. Eu sempre trocava os garrafões, ia beber água e se os encontrava vazios, pensava: por que não? Trocava, bebia a água e voltava para o meu setor consciente de que naquele dia eu tinha praticado uma boa ação. Com o tempo contudo, a boa ação passou a ser obrigação e chegou ao seu cúmulo quando, um dia, eu estava sentado em frente ao computador, não lembro se digitando relatório ou revisando um balancete, e alguém chegou e disse: o garrafão lá da frente está seco. Pronto, já devia estar na descrição informal do meu cargo – trocar garrafão.

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