quinta-feira, 19 de junho de 2014

Poesia Não Se Explica?






Poesia não se explica! - eis aí uma afirmação cujo conteúdo tem e ao mesmo tempo não tem a minha aprovação. Falando como um professor de inglês tentando explicar o uso de um verbete demasiado significativo e de difícil determinação, explico: depende do contexto. É como um daqueles casos da Física básica quando podemos afirmar que um objeto se move ou se mantém imóvel levando em conta o referencial escolhido. Nas linhas a seguir, espero deixar tudo mais claro.

Em primeiro lugar, consideremos o que disse Quintana: Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro. Um dos dois, o primeiro, porque não entendeu, ou entendeu parcialmente, ou o segundo que não se fez entender através do meio de expressão que escolheu para se expressar. Não sei se concordaremos, amigo leitor, mas acredito ser menos grave ler e não entender (em especial Poesia - lar da subjetividade e dos malabarismos linguísticos) do que se meter a escrever e não ser entendido. Por isso, começaremos pelo segundo caso.

Há daqueles poetas, em geral iniciantes, que compõem verdadeiros enigmas cujo real sentido nem mesmo eles podem alcançar e que ainda se ressentem por não serem compreendidos, andam por aí como gênios de quem a ralé não consegue acompanhar o raciocínio. Eu era um desses, um dos mais insuportáveis. Estreando na Poesia com sonetos, escrevi alguns que hoje em dia, nem eu mesmo sei definir direito que diabos é que queria dizer. Mais que isso, andava sempre frustrado por não ser entendido, por não transmitir o que me era imprescindível transmitir, não cumprindo assim a missão que escolhera para a vida.

Pior ainda: na ânsia de dizer o que queria dito, eu lia e relia o material e explicava e reexplicava até que, por fim, certamente, exausto de tantas e complicadas elucubrações, algum dos meus cinco ou seis leitores, desistindo de contestar, concordava, complementando, muito bonito, lindo. Eu então, arrebatava o quase monólogo perguntando: tem certeza que entendeu? - lançando um último olhar desconfiado sobre a vítima. Hoje, isso é coisa que não faço mais. Exatamente por insistir no entendimento de que Poesia é para falar, afinal, foi a partir deste intento que comecei a escrever, parei de perturbar as pessoas com meus sonetos e as palestras complementares, aprendendo, finalmente, que se você escreve poesias, você não as explica, ou você fala por ela ou não fala.

Falei de onde concordo com o “Poesia não se explica!”, com a ressalva de que a expressão seria muito mais eficiente se dissesse “Você não explica a poesia que escreve”, contudo, há um uso deste mandamento contra o qual discurso até hoje e é sobre o que falarei agora. Quando tentam me falar que poesia é algo que não se explica, se sente, eu logo apresento o argumento de que nada chega ao coração, senão pela razão. Se escrever (para usar ideias do Gullar, vide “Traduzir-se”) consiste em traduzir vertigem em linguagem, ler (e esta inversão é ideia minha) consiste exatamente em traduzir linguagem em vertigem. É a partir de uma atividade intelectual de alto nível, a leitura, que a poesia, de fato, nos chega, cabendo ao leitor a tradução.

Além do mais, acredito que o entendimento a respeito da manipulação feita pelos poetas tanto das ideias, das emoções, como da própria linguagem, permitem uma melhor apreciação do lido. Não haveria, por exemplo tanto alvoroço sobre Capitu ter traído ou não Bentinho, caso a maioria dos leitores de Machado de Assis compreendessem a sofisticação das ideias e o perfeito uso da escrita para expressão. Eu sei que Machado não é poeta, mas o exemplo é bom.

Aqui sim, sou irredutível em afirmar: Poesia se explica, sim. Podemos analisá-la à vontade, dividi-la em partes, sem medo nenhum de profanar algo sacro, Poesia não é coisa de santos ou gênios, é de qualquer um com um pouco de tempo e vontade de se expressar. Por que agirmos como um mago escondendo os modos de preparo de algum feitiço? Ou como gente demasiada supersticiosa velando o silêncio sobre assuntos místicos? A Poesia é uma modalidade específica da linguagem escrita que favorece as estranhezas e subjetividades, mas nem por isso deixa de ter seus motivos, seus modos, suas características, por que não revelar?

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