sábado, 20 de dezembro de 2014

Recesso










O alarme tocou: 6 e 30 da manhã. Ele acordou com o susto de sempre, com o cansaço de sempre, e a primeira coisa que lhe ocorreu: seria mais um daqueles longos dias de trabalho. Abriu os olhos, tateou o colchão em busca do celular. Não encontrou. O celular estava em cima da mesa do computador. Levantou muito arrependido de o ter deixado lá.

Às vezes, antes de dormir, deixava o celular um pouco longe, na mesa do computador, na estante, no chão, para se obrigar a levantar na hora em que acordasse e ir pegá-lo. A ideia era levantar e ficar de pé pra já começar o dia, mas ele sempre se levantava, pegava o aparelho e voltava pra cama, ignorando o plano da noite anterior.

Levantou, pegou o celular. Deslizou o dedo sobre a tela acionando o soneca, mais 5 minutos, e se jogou de volta na cama. 5 minuto depois, novo susto, 6 e 35. Mais 5 minutos. Fechou os olhos, o alarme tocou de novo. A esperança era que esses 5 minutos de alguma forma compensassem a noite mal dormida. Nunca aconteceu, mas nem por isso ele deixava de tentar.

Mais 5 minutos. Desistiu. Levantou. Estava zonzo de sono, mas levantou. Na noite seguinte ia tentar dormir mais cedo. Não ia conseguir, mas passaria o dia todo com essa resolução na cabeça. Foi pro banheiro, escovou os dentes. O corpo pedia outras horas de sono. Não teria. Tirou o calção, abriu o chuveiro, e ficou olhando a água cair, devia estar gelada. Pôs a mão, estava gelada. Sempre estava gelada, mas ele sempre testava antes.

Quando já ia pra debaixo da água, lamentando a falta de um chuveiro elétrico, o dia em que nasceu, os anos seguintes, o trabalho, a atual estrutura econômica mundial, a inutilidade de todo aquele sofrimento cotidiano e estúpido, lembrou de uma coisa e, subitamente, essa lembrança percorreu todo o seu corpo como o efeito ao mesmo tempo relaxante e revigorante de uma boa dose de vodka - estava de folga.

Naquela sexta não ia trabalhar, era o início do recesso de fim de ano. Agradeceu primeiramente a Deus, então Jesus, Maria e José, e se sentiu meio idiota por pensar que ainda era quinta. Não era quinta, era sexta, pensou, e o melhor, sexta - começo de recesso de natal. Era folga, folga moleque doido. Voltou pra cama. Que desligado que era, pensando que era quinta sendo que era sexta. Era sexta. Ia dormir. Rá!

Não conseguiu dormir. Muito calor. O ventilador fazia muito barulho, mas ventilar que era bom, não. Pensou um pouco na questão, de noite, era aquele calor desgraçado, de manhã, aquela água fria de trincar os dentes. Precisava esfriar o ar e esquentar a água, um ar condicionado e um chuveiro elétrico. Só assim a vida seria menos insuportável.

Tentou com vontade, insistiu, saiu da cama pro chão, nada, o calor continuava. Budejou qualquer coisa contra o inteligente que tinha feito o quarto com a janela voltada pra onde o sol nascia, desgraçado. Levantou de novo, arrasado, cansado, com sono e calor, mas como não tinha outro jeito, começou a planejar o dia.

Era estranho, sempre eram estranhos os dias de folga extra como aquele, porque tinha todo o tempo que não teria se fosse trabalhar, mas era tempo demais. Queria ficar sem fazer nada ao mesmo tempo que se sentia mal por fazer nada. Queria descansar, mas não conseguia, queria se distrair um pouco, mas quando se distraía sentia que não descansou.

Tinha o dia de folga, estava reclamando de barriga cheia. O que ia fazer? Visitar um amigo? Um parente? Começar a caminhar? Jogar video game? Terminar o livro que tinha começado a ler há uns meses? Capinar o quintal? Não sabia, queria aproveitar, queria descansar, queria tudo. E de repente o dia pela frente pareceu curto demais para o que queria fazer. Decidiu jogar videogame.

Quando começou a jogar, umas 10 e 30 da manhã, o celular tocou. Era do trabalho. Na sexta uns iam trabalhar ainda e eram eles que estavam ligando. Pra quê? Pensou no que poderia ter esquecido, no que poderia ser, mas não teve ideia. Não atendeu, então o celular tocou de novo. Devia ser importante, atendeu.

- Alô

- E aí, rapaz, não veio trabalhar hoje por quê? Aconteceu alguma coisa

- Hoje é sexta, primeiro dia do meu recesso.

- Hoje é QUINTA!





                                                          
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