sábado, 10 de janeiro de 2015

Ricardo Reis, Eu Te Entendo






Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.

Ricardo Reis



1.
Hoje, acordei com essa preguiça magnânima,
essa falta de vontade de fazer qualquer coisa
afetando mais que os músculos, os nervos e
a vontade, alcançando e entortando
até ideias, intenções, princípios,

E eu que sou do tipo que “tudo vale a pena
quando a alma não é pequena”, acordei
concordando, como nunca antes, com
Ricardo Reis, pensando que mais vale
a manutenção do sossego que
seja lá o que for.

Da última vez que li Ricardo Reis
fiquei foi com raiva, pensando
em como um cara decide se omitir
desse jeito, querendo ficar intacto
de tudo,

Mas hoje de manhã, quando abri o livro
no ônibus e comecei a reler aqueles poemas,
tudo fez sentido.


2.
Mas eu sei o que é isso, é o efeito
de anos e anos de uma rotina estressante
onde cada tentativa de melhora resulta
em mais problemas,

E se estou assim hoje é porque
semana passada, quando eu estava
de recesso, nada deu certo, foi
uma zica atrás de outra,

Então, agora que estou um pouco
mais tranquilo, tudo em mim se apega
desesperadamente a esse pouco de
paz e porque teme que qualquer ação
possa trazer incômodo, me faz pensar
que nada vale o esforço,

Penso que tudo é inútil e desqualifico
qualquer ação, matando o desejo de
fazer algo, antevendo que fazer
vai só me trazer dor de cabeça.

Através desse pensamento
do pensamento, chego à conclusão
de que não acho realmente que
tudo seja inútil fazer,

Estou achando que é, mas essa
é uma forma de me proteger do
estresse que fazer algo, geralmente,
têm me trazido.


3.
Ricardo Reis, eu te entendo,
talvez nunca volte a te entender
tão perfeitamente como hoje entendo,

Mas não posso admitir que a
pressão das circunstâncias
determine o rumo do meu
pensamento e é isso o que
está acontecendo.

Não digo que foi o que aconteceu
contigo, meu amigo, pode ser que tenha
chegado aos pensamentos que chegou
pela nobre via da reflexão, ou pela leitura
de uns bons clássicos, por uma combinação
dos dois,

Mas comigo é assim que está acontecendo,
como algo que quer se impor, que exige,
o que significa que não posso deixar
que aconteça.


4.
Se o sossego fosse o algo maior
que persigo, então, não teria problema,
poderia elegê-lo como sentido da vida,
da minha, pelo menos,

Mas não é a razão por que estou tão desejoso
dele, esse desejo é uma reação ao desassossego,
ao contínuo e desgastante efeito
de um cotidiano exaustivo,

Ao cansaço que começa a interferir
nas minhas operações mentais,
a guiá-las,

Mais um pouco e eu iria
pensar que as conclusões do cansaço
são as minhas conclusões e defendê-las
e viver segundo elas,

Ainda bem que fui capaz de perceber
agora, bem agora, enquanto desprezo o
tipo de pessoa que eu me tornaria
caso não percebesse a tempo.

Sabe aquelas pessoas que têm como
objetivo principal da vida um conforto apático,
que tanto faz como tanto fez?
Não vou ser uma delas.




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