sábado, 7 de março de 2015

Intestinal



Primeiro disseram que não tinha médico:
como assim, não tem médico?,
as pessoas se entreolharam
entre confusas e revoltadas,

Algumas se agitaram, outras
suspiraram, se encolheram em
seus lugares e ficaram com aquela
cara de é assim mesmo...

Depois vieram com a historinha
de que só tinha um médico e que ele
só estava atendendo emergências de verdade,

“Emergências de verdade?”

Alguém foi perguntar o que aquilo
significava: será que tenho que chegar
aqui gritando de dor?

Um pessoal disse que sim, era preciso
chegar lá ou sentindo muita dor ou
fingindo que estava sentindo,
nos dois casos, tinha que fazer um
escândalo. E dos bons.

Lá fora, um cara vomitava e não fazia
esforço algum pra esconder, dava pra ouvir
o seu estômago tentando passar pela
garganta.

Dentro da sala de espera, que por si só
já era um horror, uma mulher segurava
um pano branco grudado no nariz e
de vez em quando os exibia cheios
de sangue.

Foram os primeiros a entrar.

O carinha que estava fazendo as fichas
era calvo, tinha orelhas grandes, olhos pequenos,
boca sem lábios, uma expressão meio idiota

E aquela altivez subserviente
própria dos lacaios e puxassacos, da gente
que separa o mundo entre menores
e maiores, desprezando os primeiros
e lambendo a sola dos pés dos segundos.

Ficava dizendo que não podia fazer nada,
que não era com ele, tinha que ver com o diretor,
então, se fazia de surdo.

Quando se irritou, perguntou aos reclamantes
por que não iam pagar um plano de saúde e
procurar um hospital particular...

E tu acha que a gente não paga por
essa merda não é? - alguém lembrou
de dizer.

Pensaram em dar uma surra nele,
pouco foi dito a esse respeito,
mas alguns olhares duros e furiosos
acompanhados por punhos erguidos
prometeram um espancamento até a morte,
ou pelo menos uns murros.

Era sexta-feira, de manhãzinha.

Desde quarta de tarde, eu estava
um pouco mal, à noite, depois da faculdade, piorei,
passei a madrugada ruim e quinta de manhã,
estava um bagaço, febre alta e diarreia, passei
o dia mais ou menos e de noite, piorei de novo.

Com certeza, foi algo que comi.

Se não fosse a Vanessa passar a madrugada
me chamando, preocupada que só, eu nem ia,
meu plano era esperar o corpo dar um jeito…

“O que não me faz morrer,
me fortalece.”

Fui.
Fomos.

Agora, eu estava sentado na sala de espera
do pronto socorro, estranhando não ter cartazes
com o artigo 331 pendurado por todas as paredes dali
e torcendo pra não ter uma dor de barriga,
suando frio,

Enquanto isso, a Vanessa e outros três
batiam boca com o nojentinho das fichas.

Quase 2 horas depois, eu estava diante
da médica, outra nojentinha com cara de piranha,
pior que a doença: depender de gente desse tipo,

Gente que faz medicina pra agradar o papai,
ganhar dinheiro, status ou coisa equivalente
e que depois do primeiro mês de trabalho
já não vê a hora de se aposentar.

Gente que pensa no glamour da profissão
e que depois de trabalhar uns dias num
posto descobre que a coisa toda não é
tão glamourosa assim.

Minha vontade era sair dali,
sem ser atendido mesmo, ir
numa dessas farmácias que ainda
vendem antibióticos sem receita,
me automedicar e ver no que dava.

Mas pensei direito, era obrigação
dela me atender, se ela não estava
bem com isso, problema dela.

Fiquei.

Ela agiu como um médico
com muitos anos de Saúde Pública,
duas perguntas impacientes, uns rabiscos
na ficha e pronto. Ela não via uma pessoa,
via trabalho e trabalho chato, pelo que
percebi.

Ou isso, ou na faculdade não ensinaram
a ela a diferença entre bonecos que simulam
doença e pessoas com doenças.

Fui pra sala de medicação e
quando vi ia tomar soro, perguntei
pela bezetacil, nada de bezetacil,
era soro mesmo.

Aí, estou lá sentado, tomando soro,
quando escuto que deve ser a hora
do lanche, então, as enfermeiras e
estagiárias saíram,

Eu fiquei a sós com um carinha
que há pouco estava se vangloriando
por ser enfermeiro e não técnico
de enfermagem,

Não sei a diferença.

Ele fechou a porta, se encostou
num balcão, cruzou as pernas,
coçou um pouco o queixo e disse:
acho que te conheço de algum lugar...

Eu ri. E ri porque era só
o que faltava.




                                             
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