quarta-feira, 20 de maio de 2015

"Cultural"



Sábado retrasado, aconteceu mais uma edição do Bazar Rock, organizado pelo amigo, Cléber Cardoso. Teve venda de camisas, vinis, livro, roupas, biojoias e diversidades, teve música também e poesia. Minha parte foi a poesia. Já fazia um tempo que não me apresentava. Então, foi legal. O que me interessa falar aqui é a forma como fui apresentado.

Tinha um cara tocando e cantando, então, parou, aí, esse outro cara pegou o microfone para me apresentar e me apresentou mais ou menos assim: agora quero chamar ao microfone o poeta José, ele vai trazer um pouco de cultura pra vocês. Eu já cheguei no palco rindo e fiquei assim acho que uns bons minutos.

Não levei o cara a mal, nem podia. Na cabeça dele, como na maioria da gente, aquela era uma apresentação ótima para um poeta, “ele vai trazer um pouco de cultura pra vocês” é como uma aprovação antecipada que veio com o título de poeta. Então, você me pergunta, curioso: o que é que tinha pra ser levado a mal? Eu digo.

Fosse um tempo atrás, quando eu era um pouco mais imbecil e presunçoso e estava realmente interessado “em levar cultura” para todos, seja editando a Expressões ou organizando mais um número do “Isso é Poesia?” e, com certeza, essa apresentação me deixaria até lisonjeado, mas hoje em dia, não. E é bem simples: o rótulo de cultural emburrece e arregimenta.

Emburrece porque coloca o produto e o produtor de “cultura” num pedestal, é como se ele estivesse acima dos demais, invalidando os questionamentos dos que recebem essa “cultura”. Arregimenta porque atrai para perto de si pessoas que buscam se identificar com essa “cultura”, mas que gostando dela e a perseguindo mais para agregar valor a si mesmas que pelo o que recebem dela, não a questionam. De outro modo, estariam questionando a própria qualidade de gente que gosta de cultura, ou seja.

Se você acha que não é assim, ouse questionar o que quer que seja de Chico Buarque entre os amantes da MPB, ou duvidar da validade do que disse Raul Seixas numa roda de cabeludos alternativos que curtem rock nacional. Tente falar entre os fãs de Saramago que o seu “O Homem Duplicado” tem volume demais e poderia ter umas 200 páginas a menos.Tenho a certeza que não vai importar muito o que diga, o que pense, se ofender um ídolo com indagações, seus mordazes seguidores vão acabar com você.

Tem mais: não foi à toa retirei da minha cabeça a coroa de poeta, fiz isso para me dar mais liberdade de criação. Não tendo a obrigação de ser poético, fico mais à vontade para dizer o que quero dizer - o motivo por qual escrevo. Pela mesma razão, me despi desse negócio de “cultural”, me desobriguei de dizer verdades, de promover o desenvolvimento geral da nação. Foi assim que me permiti brincar mais e ser mais eu sendo poeta, mas nem tanto (o título do blog também não é à toa).

Quando tomei essa decisão, perdi muitos fãs e ganhei muitos odiadores. Mas quem eram esses fãs? Na maioria, pessoas para quem nada do que escrevi tinha um significado e que gostavam de falar dos meus poemas como se isso atribuísse a elas algum status. Não é isso o que quero. Quero exatamente o que aconteceu no Bazar, que me ouçam e que curtam o que digo não por ser “cultural”, mas por fazer sentido. Escrevo poemas para alcançar, para fazer transitar o que, por outro meio, não transitaria.

Para você ver, comecei minha apresentação no bazar com a seguinte frase: “a vida se parece muito com brincar de porrada, é só diversão e alegria, então você leva um murrão bem na boca do estômago”. O pessoal riu. Eu ri. E no geral, o resto foi igualmente divertido. Pra quê melhor?





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