sábado, 26 de setembro de 2015

O Merecido das Coisas


01.
Não acho que alguém
realmente queira ser diferente:
parecer diferente, é o que se quer.

Para parecer diferente
basta um corte de cabelo, uma roupa,
ver uma série que ninguém vê,
ser fã de bandas que ninguém gosta,
algo assim,

Mas ser diferente é outra coisa
e no geral, SER diferente é ser só.

Ser diferente não tem a ver com roupa,
com cabelo, é pensar diferente,
é ver diferente, é como ser
estrangeiro.

E realmente, não acredito que alguém
busque se desligar de todos os outros
e não tenha sequer uma pequena vontade
de compartilhar um pouco que seja
com quem quer que seja.

A própria busca pela diferença
demonstra isso, já que ninguém
procura ser diferente sozinho,
mas sempre aos bandos.

Vide os jovens.


02.
Acho que a gente tem mesmo
é muita preocupação com
esse negócio de ser único,

A diferença que a gente quer
é menos uma forma de se distinguir
de todos e mais uma forma de se mostrar
alguém especial no meio desses todos.
E a gente quer mostrar que é
especial pelo tratamento especial
que a gente acha que merece
uma pessoa especial.

Claro, não ignoro o lazer de chocar,
ser diferente choca, parecer também,
mas as pessoas se chocam com tudo,
você diz que não toma banho todos os dias
e pronto: pessoas estão chocadas.

Então, não é difícil acreditar que as pessoas
se esforçam cotidianamente pra parecerem
diferentes só pela alegria de ver uns olhos
arregalados e umas bocas abertas.

Vai saber.


03.
Falo o que falo, porque sempre me senti
diferente e há sempre um pouco de
solidão e mais a sensação incômoda
de estar no lugar errado me lembrando
minhas idiossincrasias, o que não é bom,

Por outro lado, há a sensação de
ser alguém especial.

Então, entendo porque as pessoas
querem tanto ser diferentes e a facilidade
com que confundem ser e parecer:

É ótimo pra qualquer um
se sentir especial.

Mas tem um problema aí...


04.
Quando eu era mais novo,
me sentia diferente dos demais e tirando
um ou outro momento de drama,
estava bem com isso, nunca fui
de me isolar ou de ser isolado.

Pode-se dizer que tive sorte,
sempre andei no meio de muita gente.

O azar, eu tive por me sentir
o “merecido das coisas”.

É assim que a minha mãe chama
as pessoas que acreditam que o Universo
conspira por elas, aquele tipo de pessoa
que acha que todo mundo tem que
fazer algo por ela.

Aquele tipo de pessoa que,
estando com fome, não vai pescar,
espera o peixe pular na sua frigideira
- e já tratado.

Eu era assim. Pensava que
sendo diferente, era especial
e por isso, acreditava que o mundo
devia me favorecer.


05.
Não sei se você sabe,
mas não existe problema nenhum
em se sentir o “merecido das coisas”
quando sua família tem renda
e a sua situação social é garantia
de algumas facilidades,

Agora, quando você é um fudido,
no meio de uma família desestruturada,
achar que o mundo vai facilitar pra você
é mais que uma imbecilidade.

Quando você é um passa fome,
precisa entender que, sim,
há favorecimentos no mundo,
muitos e pra muitos,
mas sempre pros outros.

Um dia, simplesmente aconteceu
de eu me dar conta disso:
não importa se você se acha especial
o mundo não está nem aí.




                                                                    
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