Sobre Se Enxergar

Não dá pra se ver,
a não ser pelos próprios
olhos...

Vou subindo a rua Andreia,
em direção à autoescola,
faz um calor de marte
e a poeira é igual.

Já estou arrependido,
indo já com vontade
de voltar.

Passo a mão na testa
pra limpar o suor e penso
se alguém estaria pensando
nesse tipo de questão
agora mesmo,

Além de mim.

Há quem esteja comprando
sandálias do Batman a 70 reais
e ainda chame de frivolidade,
logo o quê?

PENSAR!

O pessoal acha
que o único parâmetro
pra decidir se algo é útil
ou se não, é o dinheiro.

Gera dinheiro? - É útil.
Não gera? - Inutilidade.

O pessoal acha também
que só pode se libertar
com dinheiro, muito dinheiro,
aí, se prende a uma busca
a todo custo.

Se pensassem um pouco
mais, talvez soubessem
se libertar dessa busca.

Mas pensar é frívolo.

Tem gente que nem
sabe o que significa
frívolo, mas continua
pensando que pensar
é:

PERCA de tempo!

Nesse sentido,
sou bastante frívolo,
vivo perquendo tempo,
pensando inutilidades,
distraído.

Já me disseram
que sou muito
distraído.

Nem sempre,
mas quando tenho
uma boa ideia,
não sei largar.

Não sei se essa ideia
é boa,

Não dá pra se ver,
a não ser pelos próprios
olhos...

Mas desde que saí de casa,
estou com ela na cabeça,
manuseando, experimentando
formas...

Talvez fique melhor
substituir esse não
por um só e fazer
as adaptações
necessárias:

Só dá pra se ver
pelos próprios olhos...

Até que ficou
um pouco melhor,
vai caber mais fácil
na imagem.

Ainda estou andando,
minha vontade, na verdade,
é de me sentar à sombra
de uma árvore próxima
e pensar.

Não dá.

Andar e falar sozinho
já é extravagância suficiente,
se eu for começar a parar
em sombras de árvore
pra pensar vão deixar
de achar que sou maluco

Vão ter certeza.

Em casa, se eu ensaio
uns versos em voz alta
minha mãe já fica
toda preocupada.

Ela acha que, cedo ou tarde,
vou perder o juízo.

Fico pensando no que eu
pensaria se fosse ela e
me visse ensaiando versos
pela casa...

Já teve gente que me disse
que ando esquisito, não que
esteja esquisito, me disseram
que meu modo de andar é
que é esquisito.

Já teve gente que me disse
que falo demais, que disse
que minhas ideias não
correspondem aos fatos.

Teve gente que já me chamou
de gênio…

Se eu fosse qualquer uma
dessas pessoas e me visse,
não me veria, veria o outro,
porque eu seria o outro.

Não é complicado,
parece, mas não é.

Semana passada,
minha sogra me disse,
que não me enxergo.

Disse brincando,
mas não de todo
brincando.

Acho que ela quis
dizer que não me enxergo
como ela me enxerga,

Acho que quando alguém diz
vê se te enxerga, na verdade,
quer dizer isso vê se te enxerga
como te enxergo

Ou seja:
segundo esses valores morais
comunitários que penso
serem meus.

A gente só se enxerga
segundo a própria perspectiva,
isso é um problema?

Pode ser.

Mas tenho pra mim
que o problema de verdade
não é a gente só poder se ver
a partir da nossa própria
perspectiva,

O problema
é essa perspectiva
ser uma só e imutável,

Ainda mais porque temos
a tendência
(cientificamente comprovada)
à autoindulgência.

Já sei:

A gente só pode se ver
pelos próprios olhos,
mas eles não têm que ser
pra sempre os mesmos.

Pronto, taí uma boa frase
pra imagem e mais
um poema controverso.




*foto: Robin Cerutti