domingo, 25 de maio de 2014

Ser ou Não Ser? - Ainda a Questão


1.
Torna-te quem és – sugere Nietzsche,
e tudo o que é loja, site, empresa, indústria e fábrica
diz que é só comprar seja lá o que estejam vendendo.
Fossem os publicitários mais descarados
e colocavam uma foto do bigodudo
com os dizeres abaixo, em fonte chamativa:
Torna-te quem és, comprando aqui!
Hoje em dia, e não sei desde quando,
comprar se confunde com ser,
E porque não há nada em loja alguma no mundo
capaz senão de distrair por um instante fugaz
o desejo de ser e porque esse desejo nasce
com quem nasce, as pessoas compram
e compram e compram e o comércio comemora.
A maioria acredita que é só comprar então, corre às lojas
como alguma identidade estivesse mesmo em liquidação,
seria ou não seria um bom negócio
parcelar em 10 vezes sem juros, no cartão?
Entre o caminho de se descobrir, que é longo
irregular, perigoso, geralmente, por fazer,
e o atalho de se convencer a certeza vendida,
o “quem és” amplamente disseminado pela mídia
até eu, fosse menos cabeça dura,
escolheria a segunda opção.


2.
As armadilhas de atualmente são tão sutis,
tão capciosas, seus ardis de tal maneira eficientes
que ao descobrir alguma, faço como alguém
que, tendo um profundo respeito por seu rival
de xadrez, vídeo game, ou de qualquer outro jogo,
cumprimenta-lhe o raciocínio e a agudez do lance.
Por esses dias, tenho pensado muito nisso,
em armadilhas, o que é uma armadilha?
Basicamente, um dispositivo de captura
que atrai a atenção da vítima se utilizando
de uma isca. A ratoeira é um bom exemplo,
a vara de pescar também.
Você já se perguntou o que tem a ver?
Isso tem tudo a ver com o que acabei de falar
sobre identidade, sobre irem às compras para consegui-la,
pois do mesmo modo que o rato e o peixe,
por estarem com fome, vão morder o queijo ou a isca,
homens e mulheres, cheios da vontade de ser,
vão às lojas.
Ratos e peixes não podem escolher
não ter fome, e eu fico pensando:
posso prescindir de ser quem sou?
Penso nisso e indo mais longe, me pergunto:
Essa vontade é realmente minha?


3.
É complicado. O cara quer ser o que é
mas não se pergunta “o que sou?”, aceita uma ideia pronta
e então, passa a viver a angústia de tentar se igualar
ao cambiante espectro do que acha ser,
Nunca se satisfaz, entanto, porque não sendo sua
a ideia de si, mas do meio, da mídia, de fora,
varia de acordo com as variações do meio, da mídia, de fora,
e ele, persegue uma sombra fugidia que não pode,
portanto, alcançar.
O cara quer ser o que é, quer e pronto,
então compra coisas, vai a festas,
vira fã de uma banda, de um autor,
aprende palavras, entra no facebook,
adere a uma religião…
Digamos, que cedo ou tarde, ele se indague
a respeito do que está buscando e conclua
estar perseguindo uma identidade determinada
pelo meio, pela mídia, pelo fora, ele passa, então,
para o estágio 2, vai definir um alguém para ser
e vai se aventurar para sê-lo.
Mas será que em algum momento da sua nova busca
ele se perguntará se é realmente a fonte do anseio,
do desejo, do querer ser o que é?
Eu fico pensando, talvez não seja.

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