quarta-feira, 28 de maio de 2014

Uma Poetaria




1.
Às vezes, penso no que é ser poeta,
penso no que significa ser poeta e logo
me vem à cabeça uma figura encurvada
de olhar disperso, cujo discurso se monta
sobre metáforas e enigmas e que nunca
diz o que quer dizer senão por meio
de outros ditos.

Então, penso em mim. Sou tão da rua,
tão da rua e de festas de rock,
até uns dias atrás era um bebum de praça
e de tão averso à me sincronizar com tipos,
a ser algum, integralmente, tal como está no catálogo
não escrito dos conhecimentos populares,
eu era um bebum de praça,
mas um bebum que lia muito,
que lia Platão e Dostoievski.

Lia Nietzsche.

Todos queriam que eu fosse só o bebum
de praça sem futuro, como já quiseram
que eu fosse só o rapaz bonito e pobre,
o aluno exemplar, o cristão comum, o ateu comum,
como querem que eu seja o poeta padrão
que você na primeira olhada diz (sem nunca o ter lido)
Eis um poeta!


2.
Você devia ser mais sensível, dizem,
você devia ser menos engraçadinho, dizem,
devia pensar menos e sentir mais,
devia usar um daqueles óculos...

É como houvesse um manual, o manual
do poeta ou como ser poeta em 10 passos,
e só eu não tivesse lido. E quanto mais ouço
estes e outros comentários me convenço
de que para ser poeta eu devia deixar
de ser eu.

Aí, eu penso no poeta padrão, sujeito sofrido,
esquisito, a sentir as dores do mundo, tão ajustado
ao seu papel, tão convencido dele e da importância
de o ocupar, me pergunto se ele consegue ser
poeta 24 horas por dia, se vai pagar as contas
poeticamente, se vai ao Procon e em vez de
uma reclamação, leva uma poesia, se ele dá
uma topada na rua e declama Camões:

Tanto de meu estado me acho incerto...

Me pergunto se vale a pena
e sempre concluo que não.


3.
Enquanto isso, eu vou vendo como é,
sem grandes certezas ou ideias fixas
sobre a Poesia, sobre ser poeta,
sigo em frente e me invento, experimento.
É isso que acho divertido, meu recreio,
vou sendo poeta do meu jeito, como quero,
como posso, como dá pra ser.

Não me tornei poeta para deixar de ser
quem sou, aliás, não fosse como sou
e não teria me tornado poeta.

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