domingo, 1 de junho de 2014

Domingo Sem Igual



Fui lá fora, comprar cigarros,
e posso dizer com convicção:
nunca vi domingo tão bom,
mas tão bom para se deprimir.
Parando a chuva, o São João Bosco,
ainda úmido, me pareceu o melhor
lugar na terra para ceder à vontade
dos grandes perambuladores:
sair sem destino,
sair pra ver se o cansaço
distrai um tanto a mágoa.
As muitas poças dágua refletem o céu
cinzento, as casas ainda gotejam e um vento
travesso e sádico passeia o espaço
infiltrando-se, com a sua frialdade impiedosa,
pelas peles e ossos e o que chamam alma
dos raros aventureiros que ainda não foram
aproveitar o aconchego de seus leitos.
Até os carros, essas máquinas barulhentas,
passam, sussurrando seus lamentos de motor,
lentos, prudentes sobre o asfalto molhado,
com seus faróis mortiços enfrentando
a atmosfera quase opaca de tão sombria.
Se é pra sofrer, melhor sofrer num dia desses,
num fim de tarde desses quando o entorno,
uma rara vez compassivo, quase a nos dar ombro,
parece concordar com a nossa dor
e a escassez das figuras e vozes humanas
respeitam o nosso silêncio.
Muito melhor sofrer num domingo desses
que carregar a dor quando em volta
a vida acontece e faz sorrir a tantos,
muito melhor, porque não há sequer
um riso ou olhar de contentamento
para nos afundar o abismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário