Felicidades

1.
Não sei do dia mais feliz da minha vida,
sei que não daria um filme,
se desse, não seria um bom filme.

Um dia, meus pais compraram
uma bicicleta usada e me deram,
foi nela que aprendi a pedalar
e não sei se posso chamar
aquela sensação fantástica
de ir para cima e para baixo de bike
de Felicidade,

Felicidade parece
algo tão maior, tão fora do cotidiano,
tão além do que podem se erguer
minhas mãos e de todas as escadas.

Felicidade, com inicial maiúscula mesmo
que é para elevar o termo.


2.
As felicidades passam com os dias
e são diversas, a questão é reparar.

Pode ser um bom porre, uma conversa
de noite inteira no alpendre da casa de
um velho amigo com muitos outros
velhos amigos beberrões,
o computador novo, uma passada
não planejada no motel, dinheiro
a mais no fim do mês (um milagre),

Aquela segunda inusitada
quando você acorda e está bem
e vai pro trabalho cantarolando
uma música antiga que não lembro direito.

A mão da mulher que disse
que estaria ali, segurando
um saco de gelo na nossa cara
pra aliviar uma dor de dente,
a lembrança desse momento
(exceto pela dor de dente).

Aquele poema finalmente escrito,
aquele livro terminado, o outro começado,
o vinho e gorgonzola do final do mês,
um pouco de Nirvana quando a vontade
bate, aquele orgulho pequeno e fundamental
de pagar as próprias contas

E os juros, porque não dá
pra pagar tudo em dia.


3.
Felicidade é coisa demais,
é sonho,
estar bem é o que importa
depois que você reconhece
do que a vida é capaz e
sabe o enredo de cor.

Felicidade é muito,
e não cabe na vida pra levar,
por isso eu paro e olho em volta
e aproveito o que tem pra aproveitar.

Felicidade é produto,
é como esse Jesus que vendem
em tantas igrejas e que faz milagres na TV,
algo para perseguir e não para alcançar,
algo pra nos colocar na fila.

Fora isso, possível mesmo é estar
bem uma hora ou outra,
muito melhor em dias incomparáveis
e o resto do tempo saber
que tem com que aguentar
a outra parte da vida.

Não quero mais que isso.