sábado, 7 de fevereiro de 2015

E Se Não For?








Ontem liguei pro pessoal da internet. A milésima vez, nesses últimos sete dias. Depois de oscilações de velocidade, problemas pra conectar e frequentes falhas de conexão, agora a internet, simplesmente, não funciona. E por um bom tempo, horas, às vezes pela manhã, às vezes pela tarde e às vezes pela noite.

Acho que eles vão piorando de pouco em pouco, pra gente ir se acostumando, como aquela história do sapo cozido. Não sei que sádico pôs um sapo numa panela e esperou ferver, mas é assim que eles fazem. Uma falhazinha aqui, uma meia horinha sem sinal, e aí, vai aumentando, aumentando, quando vemos, param de vez o serviço, como se ninguém fosse perceber…

Às vezes, penso que há uma grande conspiração, um acordo secreto entre todas as empresas, de internet, transporte, água, luz e por aí vai: todas devem não prestar. Assim, deliberadamente. Se alguma delas oferecesse um ótimo serviço (pelo menos, um bom serviço), talvez a gente se sentisse insatisfeito com todas as outras e começasse a exigir o padrão daquela que nos atendeu bem a todas as outras.

Você vai no banco e não sai de lá com menos de duas horas de espera. Vai na loja, porque comprou uma cama e recebeu outra, e tem que falar com todos os funcionários antes de descobrir que não vai ser fácil. A conta de energia vem errado e se você não mandar um ofício pra Onu, ninguém sabe o que fazer. E isso, cotidianamente. Não há quem não aprenda que o mundo é assim mesmo. 

Até o mais esperançoso não tem esperanças, quando o assunto é esse. Faça o teste você mesmo. Encontre alguém cheio de sonhos, um daqueles otimistas que acreditam que um dia tudo vai ser melhor. Pergunte a ele sobre o que acha do atendimento dos bancos, das secretarias, das lojas, das empresas de telefonia. Vai ver como ele fica pessimista na hora e começa a reclamar como um reclamão.

Pode ser mais simples, talvez as empresas não tenham os clientes que merecem. Elas fazem o que fazem porque sabem que tudo acaba em nada. A gente perde tempo, a paciência, a hora do almoço, a manhã no trabalho, perde dinheiro, fica puto, pensa em processar, mas só de imaginar falar com um advogado, ir no Procon ou recorrer a qualquer outra coisa, que vai tão ou até mais burocrática quanto o problema, não há quem não desista. 

Isso quando a vontade de fazer algo não é de imediato sufocada pela ideia incutida em nossas mentes por anos e anos de maltratos, negligência e desdém, a ideia de que não vai dar em nada. E é por ter esse pensamento impregnando os nossos cérebros, assim como nossas impressões do que vai acontecer se fizermos algo, que achamos altamente vexatório aquela mulher fazendo escândalo, gritando com todo mundo e exigindo seja lá o que for. Mulher ou homem. Já vi homens perdendo a cabeça e gritando com gerentes, funcionários, smartphones e por aí vai.

Uma semana passando raiva, ligando pra empresa e ouvindo a gravação "senhor cliente, há uma interrupção do sinal de internet em sua região, nossa equipe técnica já está no local, a previsão de retorno é de duas horas". Se essa tal de equipe técnica realmente estava por aqui todas as vezes que disseram que estava, então, ela se mudou pra cá. Era hora de falar com alguém. Redisquei o número, ouvi de novo a gravação e solicitei falar com um dos atendentes.

A atendente era mais artificial que a gravação, quem fez a gravação pelo menos tentou passar aquele bom humor oficial dos SACs, a atentende não. Depois de confirmar o e-mail e o número do telefone, perguntou no que podia ajudar, explico o problema, ela me manda desligar e religar o modem, me sinto um pouco ofendido, mas passa logo, deve ser procedimento padrão, eu digo que não vai adiantar, não tem sinal, está desconectado.

Sabe como é o treinamento dessas atendentes? Não é um treinamento, é uma cirurgia. Uma cirurgia para substituir tudo o que for orgânico por placas de circuito e pequenas engrenagens de metal e plástico. É por isso que até a gravação parece mais pessoa do que algumas atendentes.

Eu já falei com muitas outras atendentes e “atendentos” e nelas e neles era perceptível algum resquício de humanidade, mas aquela atendente devia ser o modelo das atendentes, funcionária do mês, do ano, do século. A voz dela não expressava nenhuma emoção, não variava, nem mesmo amargura ou tédio ou arrogância apresentava, nem despeito, nem nada, isso me impressionou. Ela devia ter um sintetizador no lugar das cordas vocais.

É algo a se pensar: enquanto alguns cientistas dedicam anos de suas vidas para fazer com que as máquinas simulem comportamento humano, o pessoal que treina atendentes, procuram exatamente pelo contrário: fazer com que pessoas simulem o comportamento de máquinas. Nem sempre dá certo, num e noutro caso. As máquinas continuam parecendo máquinas e as pessoas adoecem, mas com essa atendente, em especial, eles conseguiram. A não ser que ela fosse um robô, aí seria realmente interessante, porque eu estava convencido de que era uma pessoa.

Ela disse que seria necessária uma visita técnica. Visita técnica é o nome que se dá quando uns caras vêm na sua casa dizer na sua cara que a empresa pra quem ele trabalha não tem culpa de nada, a culpa é sua. Eles devem ganhar bem pra fazer isso. Sábado de manhã, era o dia disponível, aceitei. O que piora um pouco as coisas, já que você tem que acordar cedo e ficar esperando até o meio dia, que é quando eles vêm. Mas se você acorda às 11 e 30, a empresa diz que os técnicos foram, mas ninguém atendeu. Diz, mas só diz quando você liga pra reclamar de novo, porque se não ligar, ela não está nem aí, afinal, o problema é seu. 

Será cobrada a taxa de 50 reais caso o problema seja no seu computador, senhor - ela disse. Viu como é? Eles oferecem um serviço horrível e quando você exige que façam algo a respeito, tentam virar o jogo. Aproveitei a deixa: E se não for, vocês vão me pagar quanto? Ela deu uma bufada, uma pequena e contida bufada. Sabe? Uma daquelas que alguém dá quando está aborrecido ou entediado, ou tentando controlar a raiva tirando o ar dos pulmões. Eu estava falando com uma pessoa. Ou isso ou a simulação robótica chegou num nível tão absurdo que agora robôs se irritavam e demonstravam isso.

- Mais alguma coisa, senhor?
- Não. Valeu, aí.
- A empresa agradece o contato - ela disse, e em seguida deu o boa noite mais falso que eu já ouvi na vida. Pelo menos não tinha mais dúvida, era uma pessoa. A não ser é claro, que agora eles estivessem simulando cretinagem também, o que não é impossível.
- Boa noite. Felicidades - eu disse, com a esperança de que a pessoa entendesse ou que o robô tivesse um detector de ironia.



                                         
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